Como enriquecer fazendo filantropia (o truque mais antigo do manual)

por Rafael Evangelista em 13 de janeiro de 2014, Comentários desativados em Como enriquecer fazendo filantropia (o truque mais antigo do manual)

Quando o tio Bill anunciou que daria um tempo como super comandante em chefe da Microsoft e se dedicaria a fazer o bem ajudando o povo da África você, cidadão de alma pura, logo pensou: “veja só, até que o mundo tem jeito, parou com a ganância e foi ajudar o próximo, que nerd gente boa!”.

Pois bem, problema é que as “boas intenções” e a grana da Fundação Bill e Melinda Gates estão sufocando o agricultor tradicional e ajudando grande empresas de fertilizantes, rações e suprimentos agrícolas em geral a expandirem seus negócios na África. Para poderem vender frangos “padrão KFC”, cada vez mais demandados pela classe média sul-africana (crescente em termos quantitativos e de peso), os agricultores estão sendo levados, via subsídios da Fundação Gates, a serem um elo na “cadeia de valor”, algo que ajuda a fortalecer a soja e variedades industrializadas de milho no continente.

O dinheiro gira, gira, gira mas quem ganha de verdade é a indústria dos EUA. “Como Bill Gates está ajudando a KFC a tomar a África de assalto”, escreve a Mother Jones.

“Para crescer, a KFC e outras marcas de fast food requerem um fornecimento estável de frango que atenda seus padrões específicos. Isso pode ser uma tarefa difícil para os pequenos produtores de frango da África. Em Gana, por exemplo, as galinhas locais não atendem às demandas da empresa por qualidade. O Wall Street Journal informou recentemente que, para a KFC, os agricultores de Gana não são “profissionais o suficiente”, o que obrigaria os proprietários das franquias a comprar produtos importados caros.

Mas onde os pequenos agricultores estão devendo, os grandes produtores de frango da África estão tendo sucesso. Eles estão demandando mais e mais rações de alta proteína, especialmente baseadas em soja. A Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USaid) e a Fundação Gates vêem isso como uma oportunidade para os pequenos agricultores se eles puderem ser convencidos a adotar novas culturas agrícolas. Para fazer isso, a USAID e Gates estão bancando empresas para construir o que os especialistas chamam de relações de negócios entre “cadeias de valor” que ligam os pequenos agricultores e os vendedores de insumos agrícolas (como fertilizantes), de um lado, e grandes compradores de milho e soja do outro. Esses compradores transformam esses produtos em ração e, em seguida, os vendem para grandes atacadistas de frango, que estão apostando seu futuro crescimento no fornecimento para a expansão africana da KFC”.

A coisa com a Fundação Gates na África cheira mal faz um tempo, já alertavam organizações políticas internacionais mais escoladas em lidar com bilionários e suas instituições filantrópicas. Peguem um trecho de texto que escrevi lá em 2007, que dava conta das ligações de Gates com o lobby pró-trangênicos e das grandes indústrias de alimentos. Foi publicado na Revista Fórum:

Primeiro foi Robert Horsch que deixou, no ano passado, a vice-presidência de parcerias internacionais da Monsanto para se dedicar a projetos da Fundação Bill & Melinda Gates na África. Em março, foi a vez de Lawrence Kent juntar-se ao time, deixando a diretoria de programas internacionais do Donald Danforth Plant Science Center, instituto de pesquisa fundado e mantido com verbas da Monsanto. Sob os auspícios da mais rica fundação filantrópica do mundo, ambos devem continuar insistindo na iniciativa que os notabilizou nos últimos anos: a tentativa de introdução de transgênicos no continente africano.

(…)

Questionada pelo jornal Seattle Times, em 17 de outubro de 2006, sobre se está passando a advogar pelas sementes geneticamente modificadas, a Fundação responde apenas que “quer perseguir qualquer opção que possa levar a atingir seu objetivo de aumentar a produtividade agrícola em países pobres”. A lista de novos funcionários ajuda a corroborar a idéia de que a biotecnologia é, para os Gates, a escolha da vez. Ela inclui, além dos ex-Monsanto, o ex-presidente da Alta Genetics, uma empresa canadense de biotecnologia, (a maior em inseminação artificial bovina do mundo), e o ex-diretor de pesquisas da gigante farmacêutica GlaxoSmithKline.

Sim, amigos, capitalismo e suas relações para o alto e avante.